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sexta-feira, 3 de setembro de 2010









TRABALHO VOLUNTÁRIO




A sala era pequena e mal conservada.

Os alunos pareciam estar numa feira, numa balada, em qualquer lugar, menos numa sala de aula.

A presença dela talvez tivesse causado maior agitação entre eles, afinal, havia um elemento a mais na sala naquele dia.

O tempo que se levou para fazer a chamada tomou metade da aula e ela pensou que com um ensino daquela qualidade, não se podia esperar muita coisa do futuro daqueles jovens.

Tentava inutilmente se concentrar nas suas anotações, estava ali ajudando uma ONG a organizar um Projeto Social de integração de estudantes carentes ,mas para eles, ela era uma professora.

Uma garota com menos de 15 anos, com metade dos peitos pra fora, sombra azul, blush rosa e batom vermelho contrastando com a pele negra , dezessete pulseirinhas enroladas e coloridas no braço.

Aquilo devia estar na moda, pois muitas outras pessoas usavam o mesmo adorno. Por um instante pareceu-lhe que estava nalguma tribo indígena de um local qualquer afastado da civilização.

-E aí, piriguéti,  gritou ela de sua carteira para alguém que passava nos corredores. Assim, como se estivesse na calçada de sua casa.

Pediu para ir ao banheiro. Quando voltou, a aula já estava terminando, embora nem tenha chegado a começar.

Os bons alunos, que se sentavam na frente, usavam todos eles, fones de ouvido. Quem não tinha, emprestava um dos fones do amigo, para ouvirem um sonzinho, afinal, ninguém é de ferro.

O professor atendeu alguma s ligações do celular. Negócios imobiliários. Em determinado momento, ele explicou a estagiária que aquela era uma classe com 80 % de “L.A.”

-O que é L.A., professor?

-Eles cometeram pequenos ou grandes delitos, mas são menores, e estão em Liberdade Assistida. Se não vierem a escola, vão pra a Fundação Casa, antiga FEBEM.

Que bom, pensou ela. Uma classe de menores que cometeram pequenos e grandes delitos...

O professor precisou sair por uns instantes e pediu que ela cuidasse da classe e disse aos berros:

-Se eles desobedecerem, desce o cacete, viu, professora?

Era só isso que estava faltando. Deixa-la sozinha numa sala com um bando de L.A.

Professora soou estranho, ela respirou fundo e tentou se concentrar nas suas anotações. Impossível. Parecia-lhe que aquele era um outro planeta, e ela pensou no quanto foi privilegiada a vida toda, e quantos mundos existem dentro do nosso mundo e nem nos damos conta disso.

- Mas é Brizola pura,pó dos bom, não é malhada não . Você paga pela qualidade!

Disse um garoto que não tinha mais que 16 anos a um outro mirradinho, tímido, que poderia ser filho de qualquer um de nós.

-EEEEEi, peraí, aí já tá demais! Vai querer falar de cocaína na minha frente?

-Qual é, “pssora”? O professor vende casa, eu vendo pó! Cada um no seu quadrado!

A garota de óculos ao lado , disse baixinho:

-Professora, não mexe não...Ele tem vários pontos de tráfico de drogas espalhados pela cidade. É muito respeitado aqui por todos. Já matou uns par deles assim, por nada.

Ela parou, olhou para o garoto, já em pé, apenas alguns metros dela.

-Faz um favor pra mim: Senta.

-Qual é, eu tenho orgulho do meu trabalho, não aceito que ninguém critique ele não, tá ligada?

As palavras saíram antes do cérebro pensar. A língua deve ter raciocinado mais rápido, pensou na lápide, nos 7 palmos abaixo da terra e ela respondeu:

-Qual é o seu nome?

-O nome dele é Dadinho, pssora.

-Dadinho é o caralho, meu nome é Zé Pequeno!

Todo mundo riu. Aquilo lhe soou familiar....onde é mesmo que ela tinha ouvido aquilo? Não havia tempo pra pensar e a boca sabia disso.

-Olha, eu tenho 4 bocas espalhadas por aí. Meu pai trabalhou a vida inteira nesse sol que Deus manda e só conseguiu ter uma. Só de vapor trampando pra mim, tenho uns 30.

Ela não sabia bem ao certo o que ele estava dizendo, mas se fez de tranqüila e prosseguiu:

-Eu realmente não quero saber da sua vida profissional, só não quero que vc fale de cocaína dentro da sala de aula, ok?

Aí o menino realmente se irritou: Chegando a alguns centímetros dela, disse:

-E se eu querer falá? Qual o poblema, pssora?

-O problema é que tenho trauma.

-Trauma de quê? De pó ruim? O meu é bom, qué isprimentá?

-Perdi meus 5 irmão para a cocaína. Morreram 4 de overdose e um de Aids.

Silêncio na sala. Um silêncio que não aconteceu desde o inicio da manhã.

-Puta que o pario. Morreu os 5 irmão?

-Sim, os cinco.

Ela ainda não sabia de onde é que surgiram os irmãos, as mortes, mas enfim, a boca falou e ela acatou.

-Porra, pssora, que falta de sorte, meus pesares aí pra senhora sua mãe, seu pai...

-Meu pai já morreu também.

-Overdose, pssora?

-Não. Cirrose.

-É....os pais que dá os exemplo! Cachaça faz mais mal que qualquer bagulho aí, mas é liberado!

Ela permanecia quieta e calar-se em situações de stress era um exercício que ela tinha que aprender a dominar.

-Meu pai me deu bom exemplo na vida. Ele vende, mas não usa. Eu também. Vendo , mas não sou viciado, tá ligada? Dou uns tiro de vez em quando.

-Tiro? Tiro onde? Você tá armado?

-Professora, “tiro” quer dizer que a pessoa usou cocaína, disse baixinho a de óculos.

-Entendi.

-Mas não sou viciado não. A senhora tem alguma coisa contra?

-Eu já disse que tenho trauma de cocaína porque perdi 5 irmãos por conta disso, mas é diferente, né, porque aqueles desgraçados eram viciados. Você não. Você é trabalhador!

-É, sou mesmo. Ralo pacarái! Mas, olha, vocês tiveram azar....Morreram os cinco mesmo?

-Pois é.

-Só teve a senhora de mulher?

-Não.

-Então tem mais irmã viva?

-Tenho mais duas.

-Não mexem com tóxico?

-Não vejo Cecília e Carolina há anos. Elas são prostitutas, moram na capital, não sei da vida delas.

Nesse momento ela não pode evitar a vontade de soltar uma gargalhada. Imaginou as irmãs, prostitutas na capital, ”usando salto 15 e saia de borracha” mas segurou-se pra rir mais tarde, quando estivesse fora de perigo.

-Aí já melhora, né , pssora. Melhor prostituta viva que viciado morto!

-Pois é.

-Então só a senhora que tá bem na fita, hein....

-Bem.

-Então, mas tenho uns doce aí, caso a senhora queira pegá leve...Só pra não ficá excluída da família, né?

Nesse momento o professor retornou, e lhe pareceu um anjo caído dos céus, no exato momento que ele se fazia essencialmente necessário. Mais um pouco e a pobre moça estaria comprando um doce e mais umas duas aulas e ela acabaria convencida que ser vapor dava mais lucro que pegar o giz e tentar ensinar alguma coisa que valha àquelas crianças....

Este é o Brasil, o Brasil do Lula, o Brasil da Dilma, o Brasil que muitos falam, mas poucos conhecem.

14 comentários:

  1. OI, LU!

    NOSSA! O QUE VAI SER DO NOSSO FUTURO? E DE NOSSOS FILHAS?
    ESSA HISTÓRIA É DE ARREPIAR!
    PIOR... É QUE É MUITO MAIS QUE UMA SIMPLES HISTÓRIA...
    QUE DEUS NOS PROTEJA!
    BEIJOS
    DIANA MAIA

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  2. Diana
    Não tem como mudarmos o futuro, se a mudança não começar pela educação dos nossos pequenos.
    O mercado de drogas é um problema real, embora pareça estar longe de nós, de nossos filhos, ele nos espreita o tempo todo, e é apenas um dos problemas existente em nosso país....
    Fé, temos que ter fé acima de tudo e preparar nossos filhos para a realidade que eles encontrarão.
    Bjos no coração

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  3. Para termos um bom futuro temos que mudar o presente (:

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  4. Exatamente!
    A semente tem que ser plantada agora para que possamos colher os frutos no futuro.
    Seja sempre bem vinda, viu?
    Beijo no coração

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  5. Belo texto
    as vezes vendamos nossos olhos para a realidade e nos privamos a ver o que queremos e não o que é real "Os olhos Vêm o que a MENTE quer ver". Parabéns.

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  6. Imagem muito bem descrita. Nunca vivenciei, mas minha mãe é assistente social, na verdade educadora, quase a mesma função. E o negócio é pesado viu...
    Obrigada por passar no meu blog!

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  7. Otavio,
    Só vemos aquilo que nos convém, não é mesmo?
    Obrigada e que bom que gostou!
    Volte sempre, viu?
    Abraços

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  8. OI Evelyn, querida!
    Os professores são de fato , muito pouco valorizados diante do trabalho que fazem e da responsabilidade não só educacional, mas principalmente no âmbito moral moral que exercem
    em relação a seus alunos.
    Pena que os nossos governantes nao vejam dessa forma.
    E sempre passo no seu blog! Gosto muito do que vc escreve.
    Beijo no coração!

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  9. Se fossem só os L.As o problema,tava até bom.Hoje em dia além de não existir educação decente,não se tem mais respeito por ninguém,vem de berço,a maioria é foda,mas fazer o quê né,eu sempre odiei sangue então médica nem pensar,mas eu sempre gostei de crianças,então eu dizia desde muito pequena vou ser professora rsrsrs.E sabe de uma coisa gosto da profissão,sei lá acho que vou plantar umas sementinhas.
    Quanto a Dilma minhas esperanças estão indo de mal a pior,porque o pobre é fogo minha filha,enquanto eles continuarem distribuindo bolsa,e deixando o povo mais analfabeto que antes(eu costumo falar que são analfabetos que sabem ler e escrever),não tem jeito,eles vão continuar ganhando.

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  10. Monique querida,
    O melhor do governo de FHC foi tentar eliminar um pouco dessa política assistencialista, que dá o peixe, mas nao ensina a pescar.
    Com Dilma no poder, vai ser um tal de dar peixe já limpo pro povo, que não há país que vá pra frente....
    Mas ainda tenho esperanças numa reviravolta.
    Nao somos os unicos seres que raciocinam no Brasil, nao é mesmo?
    Bjo no coração

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  11. "Prostitutas Cecilia e Carolina"!
    Essa foi pracabá!
    Vai ter irmã biscate lá no no inferno!
    kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
    Ainda bem que não chamo Cecilia.
    "Qualquer semelhança é mera coincidência!"

    Voltando ao texto:
    Mais uma vez, um show de realidade e pés no chão.
    Sim, é esse o mundo em que vivemos e só meia duzia assumem saber.
    Afinal, é tão mais facil nos fecharmos em nosso mundinho de "faz de conta", pra não termos que discutir, buscar um caminho.
    É como tratar os viciados de crack como leprosos.. e assim, não devemos nos aproximar, não é? Eles nos fariam mal!!!
    Na verdades somos todos hipócritas, pois sabemos que essa é a realidade, e fazemos o que?
    Você, faz o que?? E eu.. o que faço?

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Sabia que somente pessoas especiais postam comentários aqui?