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terça-feira, 22 de março de 2011

Definição

“...Eu me sinto um estrangeiro, passageiro de algum trem que não passa por aqui, que não passa de ilusão...”


Ficar,
Quando todos partem.
Silenciar,
Quando todos gritam
Deitar,
Quando todos se levantam
Dormir,
Quando  todos acordam
Entrar,
Quando todos saem
Remar contra a maré,
Ser careta num mundo moderno
 e condescendente
Ser estrangeira em seu próprio país.
É o que te torna chata, reclusa e estranha.
É o que faz de você exatamente aquilo que você é.
É o que te diferencia da multidão.
Melhor do que saber quem você é,
É ter a certeza de quem você não é.
Num mundo cheio de Marias e Maurícios,
Que bom poder ser eu mesma
E saber me definir.

quarta-feira, 9 de março de 2011

As linguagens do amor



                                                    As linguagens do amor

Uma vez alguém me disse algo sobre as linguagens do amor.
Eu, como tenho péssima memória, não me lembro  quais eram elas.
Mas fiquei a divagar sobre o tema, pensei em como é difícil para determinadas pessoas
Conseguir expressar seus sentimentos, se abrir, se jogar, se entregar.
O que faz com que algumas pessoas não sejam capazes de demonstrar o amor que sentem?
O que faz com que algumas pessoas não sejam capazes de perceber o amor demonstrado?
É que cada um tem sua própria maneira de interpretar o amor, de ser regado e alimentado por ele.
Uns precisam das palavras. Precisam ouvir milhares de “eu te amo”, “você é  muito valiosa pra mim”...
Outros , necessitam  do toque. Dos dedos entrelaçados,  dormir de conchinha, da mão no ombro, do toque na face, do cafuné...
Há quem precise de presentes, não os caros, mas principalmente os simbólicos: uma flor numa quarta feira qualquer, de convites pro motel ou pro cinema, de um anel com suas iniciais, de Häagen Dazs  de palito...
Outros, da atenção e   proteção .Todos necessitam do conforto da proteção. Acredito que os homens se sintam protegidos quando encontram uma mulher que valha a pena  e  que possam confiar  .
As mulheres, embora hoje independentes,  continuam sendo essencialmente mulheres,  portanto, precisam do braço forte, da hombridade,  do abrigo emocional.
Quantas vezes em nossas vidas, já ouvimos a velha frase:
-Mas eu te amo, só você não vê isso!
Na verdade, acredito que não exista uma linguagem universal para o amor. Cada um de nós tem seu próprio dialeto, suas próprias interpretações.
Não adianta falar  alemão para quem só conhece o hebraico.
E todos sabemos como é difícil aprender  uma segunda língua, mas sejamos sinceros:
Não vale a pena?
Olhe para o seu lado, veja o que você tem, olhe dentro de seus olhos, sinta o cheiro de sua pele, perceba como é bom tocar em quem você ama e diga, se não vale a pena se reinventar um pouco a cada dia, dedicar-se para aprender essa metalinguagem ,que não te fará feliz em Roma, Paris ou Tóquio, mas que te dará um norte, um porto seguro onde você possa  finalmente compreender e ser compreendido nessa nossa imensa  Torre de Babel.
Eu acho que vale a pena.
E você?

terça-feira, 1 de março de 2011




Monaretinha 1975

Era uma monaretinha modelo 1975, roxa metálica, dobrável, de selim lilás e no guidão tinha umas fitinhas coloridas penduradas que voavam muito, conforme a velocidade atingida.Muito mais linda que essa da foto.
Era uma menininha magricela, levada da breca, mas inteligente o suficiente  para lembrar-se de seu pai, que embora nunca tivesse dado  sequer um tapinha em sua bunda ,  quando bravo, tinha o olhar mais gélido e cortante da face da terra .Simplesmente olhava para ela e isso valia mais que mil palmadas. Por conta disso, procurava sabiamente evitar determinadas traquinagens.
Se aborrecia muito por ser a menor da turma, sua bicicleta ainda ter rodinhas e não poder sob nenhuma hipótese, pedalar na rua. Só era permitido a calçada , e poder dar a volta no quarteirão, representava seu mais completo estado de liberdade.
Sentia uma inveja enorme das mulheres maduras, que andavam em bicicletas sem rodinhas, podiam ir até à pracinha da gruta , tinham mil segredinhos e pasmem: usavam até sutian.
Um dia, ela resolveu exercer sua condição de independência, e aventurou-se a dar voltas no quarteirão.
So-zi-nha.
Era mesmo uma aventura.  Na esquina de sua casa, tinha a lojinha dos  Sabbag e  a matriarca  da família ,que morava ao lado da loja (ou seria a loja ao lado da casa?)   sempre que se passava por lá,  ela levantava sua mao, para ser beijada e depois a colocava sob sua a testa . Em seguida, convidava para entrar, mas antes tinha que se deixar os sapatos do lado de fora da porta.   Oferecia um tal de Kebab ou esfihas, que se recusadas, ela esbravejava e dizia sempre a mesma frase :  “Um burro não aprecia uma compota de frutas” A menina nunca foi capaz de entender o que aquilo significava, mas sorria gentilmente em retribuição .Falava estranho, talvez fosse africana, ou polonesa. Talvez torcesse pro Bragantino, vai saber o que a fazia ter aquele estranho sotaque....
Na esquina de cima, tinha um prédio alto, cuja lembrança estende-se somente ao prédio, nada mais.  E na esquina lateral, finalmente, o Hotel Zaíra. Um casarão antigo,  tenebroso para a menininha magricela.  E gigantesco. O Hotel devia ter pra mais de 10 quartos! E seus pais diziam para ela manter-se longe de lá, pois vai saber que tipo de pessoa pode  hospedar-se ali, e quem são e de onde vêm ninguém nunca sabe. “Pode ser  vendedor de enciclopédia Barsa, pode ser assassino de criancinhas!”
Nem era preciso ter dito nada. Ela tinha pânico das irmãs Zaíra. Eram miúdas, magras e franzinas.  Seus cabelos eram completamente brancos e tinham as três o mesmo corte, e usavam os mesmos vestidos, no carnaval, no natal e na sexta feira santa. Pareciam mesmo viver numa eterna quaresma. E jamais se dirigiam a ela e nem a ninguém que ela tivesse notado. Eram estranhas e misteriosas.
Alguns diziam que eram mudas, não sabiam falar. Só escrever e fazer contas.
Aquela tarde, ela queria  mesmo era ver as fitinhas coloridas do guidão voarem muito e engatou uma quinta  na monaretinha 75 e saiu a todo vapor, alegre pelo fato de ainda não existirem radares fotográficos.
Passou pela porta do hotel, não sem antes  passar os olhos pelo imenso corredor escuro.  Virou a esquina rumo à descida que a levaria finalmente até a sua rua.
Aí está o momento que a alegria sai de cena pra dar espaço ao desmantelo. Atropelou a velha Zaíra.  Menina pra um lado, velha pro outro, um talo enorme na canelinha da  pobre senhora e o que é pior de tudo nesse mundo: a bicicletinha torcida ao meio. Ah, isso sim  era o fim!
Olhou para a velha ,frágil , imovel e ensanguentada.  Olhou para a bicicletinha, e não teve dúvidas: Correu para ver se dava pra desentortar a bicicleta. Percebeu que não havia quebrado e sim, dobrado. Era só afrouxar a rosca, que ela endireitava novamente e tudo estaria perfeito. Acabou-se o problema! O ar de pânico desapareceu instantaneamente e o sorriso largo voltou a estampar-lhe o rosto.
Olhou novamente pro lado e viu  o chão, a velha e o sangue.  Sentiu o medo paralizar-lhe os músculos. Ainda se fosse uma velhinha amável, mas era a dona do Hotel e ela morria de medo da velha. Ela não emitia nem um só ruído e imaginou que estivesse morta.
“Matei a velha do hotel.”
Fugiu, sem pensar duas vezes.
Chegou suada e enfiou-se embaixo das cobertas. A mãe logo estranhou, e foi medir-lhe a temperatura.
“Deve ser garganta. A essa hora da tarde, esse calor , e você suando embaixo das cobertas, só pode ser garganta. Vamos chamar o Dr Amélio..”
Ouviram palmas na porta da casa. A mãe foi atender, só voltou uma hora depois e nesses sessenta minutos, a menina lá ficou, imóvel embaixo das cobertas.  Ao regressar, a mãe não disse uma única palavra. E nem a menina perguntava nada.
No final da tarde, ela ouviu o barulho mais aterrorizante que poderia ter ouvido: o ruído do motor do carro de seu pai, estacionando na garagem. Era o fim, era o fim.
Conversaram em segredo, como todas as pessoas velhas tinham o hábito de fazer, e em seguida ele entrou no quarto com aqueles olhos sérios de pai bravo. Ela apertava os olhinhos, não queria ver, apertava os ouvidos, não queria ouvir, apertava o nariz, não queria respirar.
Ele , ao perceber a agonia da pequena, disse apenas: “Nunca mais faça isso”.
Ela olhou e respondeu: “Tudo bem, eu juro que nunca mais  corro de bicicleta!”
“Nunca mais deixe de prestar socorro a alguém. Sei que você ficou assustada, mas deveria ter chamado um adulto imediatamente para prestar ajuda a senhora.”
“Pai, eu juro que não vou matar mais ninguem em toda minha vida, eu juro!”
Ele conteve o riso e procurou seguir com seu olhar sério e cortante feito gelo.
“ Ela não morreu. Sua mãe a levou  ao hospital, ela teve que dar pontos e a levaremos todos os dias para fazer curativos até que ela sare. Por enquanto é bom você não passar por aqueles lados.”
Foi nessa época que ela descobriu que nem a Mulher Maravilha, nem a Mulher Biônica tinham bicicletinhas e mesmo assim, eram suas heroínas número um. Descobriu também que aos 5 anos, não é preciso andar de bicicleta sem rodinhas,  nem usar sutian ou ter segredinhos com as amigas, mas é preciso sim, ser responsável  pelos seus atos. E talvez ,aposentar a monaretinha roxa e ficar em casa pelos próximos 20 anos, seria um ato de muita inteligência e responsabilidade...