Lívia está crescendo, e em meio a tantas dificuldades que permeiam educar sozinha uma filha de 11 anos de idade, vejo que existem também, momentos que compensam tudo.
Assistimos Tróia .
Ela, pela primeira vez, pelo interesse aguçado pelo professor de história.
Descobri que temos mais em comum do que o gênio indomável , alguns traços na face e o jeito de chorar.
Ela também sucumbiu ao caráter e a hombridade de Heitor .
Viu em Páris um menino mimado e apaixonado e em Aquiles, nada que vá muito além da beleza de Brad Pitt, que até então, ela, menina, ainda não havia observado.
A morte de Heitor, teve para ela, o mesmo pesar que carreguei comigo a vida toda. Creio ter sido o meu primeiro entendimento de que nem sempre o justo vence e que a Lei do mais forte, muitas vezes prevalece e que a vida é assim e pronto.
Sempre quis poder reescrever a história, ver Tróia inteira, em paz.
Penso que o universo precisa e sempre precisou de trégua, de um pouco de compreensão.
Guerra leva a Guerra, ódio gera ódio. São sentimentos cumulativos.
E afinal, não existe nenhuma Helena que justifique tanta desgraça, tanta dor , tanta morte e devastação.
Dez anos de guerra por causa de uma mulher, do orgulho ferido de um Menelau que não sabe perder e não sabe que amor, não se exige, não se compra. Amor se conquista, amor é algo que flui, ou não (apesar de sabermos que não se guerreou por 10 anos pela mulher de Menelau e os interesses pelo poder sobrepujaram o amor).
Aquiles , filho da deusa Tétis, que ao nascer teve seu corpo mergulhado e segurado pelos pés no rio Estige, é invulnerável. Algo como um troglodita semi-deus.
Heitor, um simples mortal, como eu e você. Porém, a meus olhos e também aos da Livia, o nosso herói. Irmão de Páris, que encaixa-se completamente na frase: O duro é roubar e não poder carregar.
Nessa história, a mais emblemática que tenho conhecimento, o amor de Páris e Helena perdem o foco e ele se volta justamente para a Batalha entre Aquiles e Heitor.
O primeiro, mais do que vencer a Guerra, quer a cabeça de Heitor, o assassino de seu pupilo Pátroclo (sim sim, sim….Até tu, Aquiles???). Heitor, na verdade, matou Pátroclo pensando se tratar de Aquiles, aquela máquina de matar a quem Brad Pitt emprestou sua beleza e algum sentimento, o aniquilador sanguinário, ou ao mais bravo guerreiro grego de todos os tempos. Como meu leitor preferir classifica-lo. Eu gosto de pensar em Aquiles como um homem com algumas qualidades, mas que deixa a vaidade dominar sua existência. Aquiles nunca guerreou por um ideal, por um Rei, ou uma nação. Aquiles guerreava por si , por seus feitos, pela imortalidade do seu nome através da história.
Para vingar-se de sua viuvez , Aquiles mata Heitor e todos temos nosso coração aniquilado ao ver e rever sua morte, a humilhação de ter seu corpo arrastado diante de toda uma Tróia, a Tróia que Heitor sempre defendeu digna e bravamente. Troia se vê imobilizada diante da dor de ver seu filho mais honrado perecer de tal maneira.
Depois, vemos um Príamo, que deixa sua coroa e sua dignidade e vai a procura de Aquiles, pedir o corpo do seu filho de volta, para que sua alma possa fazer a travessia com dignidade.
Que história é essa, meu Deus…
Então estamos diante de um Aquiles novamente humano, entrega o corpo de Heitor a seu pai, que volta com seu filho nos braços, dando a ele a oportunidade de descansar em paz.
E mesmo assim, veja você, somos humanos mesmo! Quando Páris resolve fazer algo de útil nessa trama toda, além de comer sua Helena, atira a tão famosa flecha, que acerta o calcanhar, justamente o calcanhar de Aquiles, a pequena parte que não foi banhada pelo rio Estige e portanto, não estava protegida pelos deuses.
Sempre penso nisso e não entendo porque Tétis não o mergulhou no bendito rio segurando-o pela orelha ou pelos cabelos. Afinal, ninguém morre pq teve a orelha atingida. Desconfio que Tétis era loira…
Enfim, eis que tomba o gigante . E a gente lamenta sua morte.
Vai entender o ser humano….Acho que fomos criados para a vida, para o bem viver, para o perdão.
Ninguem devia morrer. Nem mesmo Aquiles.
Mas minha mais triste mágoa é pela morte de Heitor. Um homem que representa a figura extraordinariamente inspiradora de uma dignidade e humanidade comoventes.
Nenhuma outra historia reuniu tantas figuras arquétipas:
Príamo, o rei soberano, compreensivo e generoso.
Aquiles, sua bravura e sua vaidade indomável.
Heitor, e toda a sua dignidade e coragem.
Ulisses e sua astúcia e inteligência.
Agamenon e sua infinita prepotência.
Menelau e seu orgulho ferido, seu não-saber-perder.
Helena e sua beleza angelical e sedutora.
Páris e sua frivolidade.
Eis uma história atemporal, que discorre sobre personagens fantásticos que certamente existem, mesmo que em pequenas doses, em cada um de nós, e em todos os núcleos, seja hoje, ontem ou amanha.
Fico de fato feliz ao perceber que a preferência de minha filha recai sobre Heitor, me acalma a alma vê-la identificar em meio a multidão o que é um exemplo de coragem, “pois a coragem é característica humana por excelência sem a qual, nenhuma outra seria possível existir” (Aristóteles) .
Me deixa orgulhosa saber que ela compartilha comigo o mesmo pesar por Heitor: O simples mortal, o homem com seus valores, com sua coragem, o defensor de muralhas, o domador de cavalos, um herói sem artifícios.
Por que de Aquiles, esse mundo já está cheio.