(Para Daviane e Burga)
-Poxa! Acordou inspirada hoje hein!
-Pois é.
-O que aconteceu?
- Nada, ué!
-Teve algum sonho erótico?
-Eu não.
-Tem certeza?
-Tenho.
-Mas que pressa, hein!
-Então. Tenho plantão no hospital daqui a pouco.
-E o que isso tem a ver?
-Estou com pressa.
-Parece até coisa de homem, que chega chegando, sem pedir licença e já vai logo ao assunto...
-Mas se o melhor de tudo é o assunto...
-Poxa !
-Algum problema? Você se incomodou, Eduardo?
-Não, só to comentando.
-Ahan... Acho melhor não comentar...
-É que assim, sem beijo na boca, com tanta pressa e furor, eu estranhei.
-Beijo na boca é pra fazer amor.
-Como é que é?
-Beijo na boca é pra fazer amor.
-E o que foi que a gente fez??
-Nós transamos.
Eduardo tentou conter sua irritação .Era um excelente representante de sua espécie, não pegaria bem fazer biquinho e ficar de mal. Levantou, pegou um copo de água, acendeu um cigarro e ficou olhando pro teto, em silêncio.
-Vem cá, vai, Edu...
-O que que é agora?
-Fala baixo pra não acordar os gêmeos! Desfaz o bico, apaga o cigarro, coloca Os mutantes ou Caetano pra tocar e vamos fazer um papai-mamãe.
-Não precisa ser sarcástica não, só te achei um pouco ...um pouco....
-Um pouco agressiva?
-É...sei lá..
-Eduardo, você vai querer que eu te libere o cartão de crédito para uma tarde de futebol de botão no shopping também? Quer que eu mande flores? Ou quer que eu lhe faça uma poesia?
-O que você está querendo dizer com isso, Monica?
-Naada, amor....só estou querendo chamar sua atenção, pois tenho sentido você tão distante....Você acha que eu engordei? Será que preciso de um peeling facial? Acho que estou feia, por isso você não liga mais pra mim, é isso....
-Não, amor, não é nada disso! Você está linda! Você é a coisa mais linda dessa vida. Lembra quando nos conhecemos? Você falava coisas sobre Brasília, sobre magia e meditação ...
-Edu, quando nos conhecemos eu era esotérica, vivia bebada e nem sabia se queria ser lésbica ou hétero.
-Ah, Moniquinha, você sempre foi a mulher da minha vida! Me ensinou a beber, a fumar maconha....
-Que nada, você não me ama mais, perdi o encanto pra você quando me decidi sexualmente e terminei minha residência...Virei uma mulher...de família! É o fim, é o fim....
-Imagina, amor, deixa de bobagem, e vem aqui com seu Edu, vem...
Pronto. Mônica, esperta que só, conseguiu resolver o probleminha de insegurança masculina.
Embora fossem diferentes em tudo, eles se entendiam bem, e ela sabia que de fato, não existia razão para aquela encanação toda...
“ ... E todo mundo diz que ele completa ela e vice versa, que nem feijão com arroz...”
( Eduardo e Mônica, Legião Urbana, 1986)
quarta-feira, 20 de abril de 2011
segunda-feira, 18 de abril de 2011
Eu já falei aqui no meu Blog, de Francisco Itaerço, poeta , pai, amigo ,ser humano de primeira grandeza , que me adotou há algum tempo como filha, embora eu já o tivesse adotado antes, como pai.
As coisas que ele escreve, são um carinho pra qualquer criatura que seja portadora de um mínimo de sensibilidade.
Hoje, eu ja acordei emocionada, por conta de um filme que assistimos ontem: Estamos todos bem, com Robert de Niro. Chorei e reclamei, dizendo que nao assisto mais filme de chorar.
Aí vou ler meu jornal preferido e dou de cara com a carinha dele . Pensei: Epa! Texto de painho! Coisa média nao é! E comecei a ler. Ja estava com aquele nó na garganta pela epígrafe. Aí começa a poesia. E eu me contendo. Mas, quando chegou no final, ele me deu um golpe fatal, aí já viu: nao deu pra segurar.
Esses são os presentes, o lado bom da vida virtual, muitas vezes mais real e mais profunda do que se pode imaginar.
Obrigada, painho.
Obrigada .
DESABAFO
UMA POESIA DE FRANCISCO ITAERÇO
“vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não vem de vós.
E, embora vivam convosco, não vos pertencem…
(…)Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.” (Gibran)
Bendito o útero que gera,
Bendito o seio que cria;
Maldita as circunstâncias que obrigam
Os pais a abandonarem a cria.
Bendito os filhos que crescem,
Bendita a causa justa que os afasta de nós;
Maldita a solidão que sentimos
Quando ficamos a sós.
Filhos, uma dádiva de Deus:
Nascem, desenvolvem-se e nos deixam.
Portanto, quem os tiver
Curta-os antes que eles cresçam.
Porque de nada lhes adianta
O imenso saldo de afeto,
Pois jamais tê-los-ão
O tempo todo por perto.
Se eles crescem e nos deixam,
Diz-me, Senhor, por que tê-los?
Mas se assim não o fizer,
Meu Deus, como vou sabê-los?
Do livro: “CADA POESIA UMA HISTÓRIA”, 29/10/2001.
Dedico-o a LUCIANE TREVEJO, minha filha adotiva.
As coisas que ele escreve, são um carinho pra qualquer criatura que seja portadora de um mínimo de sensibilidade.
Hoje, eu ja acordei emocionada, por conta de um filme que assistimos ontem: Estamos todos bem, com Robert de Niro. Chorei e reclamei, dizendo que nao assisto mais filme de chorar.
Aí vou ler meu jornal preferido e dou de cara com a carinha dele . Pensei: Epa! Texto de painho! Coisa média nao é! E comecei a ler. Ja estava com aquele nó na garganta pela epígrafe. Aí começa a poesia. E eu me contendo. Mas, quando chegou no final, ele me deu um golpe fatal, aí já viu: nao deu pra segurar.
Esses são os presentes, o lado bom da vida virtual, muitas vezes mais real e mais profunda do que se pode imaginar.
Obrigada, painho.
Obrigada .
DESABAFO
UMA POESIA DE FRANCISCO ITAERÇO
“vossos filhos não são vossos filhos.
São os filhos e as filhas da ânsia da vida por si mesma.
Vêm através de vós, mas não vem de vós.
E, embora vivam convosco, não vos pertencem…
(…)Vós sois os arcos dos quais vossos filhos são arremessados como flechas vivas.” (Gibran)
Bendito o útero que gera,
Bendito o seio que cria;
Maldita as circunstâncias que obrigam
Os pais a abandonarem a cria.
Bendito os filhos que crescem,
Bendita a causa justa que os afasta de nós;
Maldita a solidão que sentimos
Quando ficamos a sós.
Filhos, uma dádiva de Deus:
Nascem, desenvolvem-se e nos deixam.
Portanto, quem os tiver
Curta-os antes que eles cresçam.
Porque de nada lhes adianta
O imenso saldo de afeto,
Pois jamais tê-los-ão
O tempo todo por perto.
Se eles crescem e nos deixam,
Diz-me, Senhor, por que tê-los?
Mas se assim não o fizer,
Meu Deus, como vou sabê-los?
Do livro: “CADA POESIA UMA HISTÓRIA”, 29/10/2001.
Dedico-o a LUCIANE TREVEJO, minha filha adotiva.
sexta-feira, 15 de abril de 2011
quarta-feira, 6 de abril de 2011
Que porre, hein...
Eu, na condição de curiosa, em que me classifico, vivo fuçando textos, garimpando alguma coisa atual que seja interessante e que saia do lugar comum.
O que mais tenho encontrado, são blogs de pessoas se auto -promovendo, falando de suas inesgotáveis qualidades, e do quanto são felizes e especiais para si mesmas e para o mundo que as cerca.
Gente, me poupem.
Queremos ler textos de pessoas normais, reais , concretas.
Eu sou uma pessoa que adora coca cola e por isso tenho celulite.
Com o passar dos anos, minha cintura , assim como meus braços, estão engrossando.
Vou fazer lipo assim que as finanças permitirem, pois sou fútil, gosto de me sentir bonita.
Adoro ter meus cabelos lisinhos, com aquele movimento que só o cabeleireiro sabe proporcionar.
Mas faço escova em casa pra economizar a grana e poder comprar livros ou alugar bons filmes.
Adoro perfume, mas só os importados, desculpem, não sou humilde.
Sou impaciente, intransigente, espero sempre a perfeição de mim e do outro.
Mas não sou perfeita.
Jogo os cabelos que caem no chão do box pelo vitrô.
Deixo pra estudar na véspera e passo todo meu tempo de sobra lendo livros que acho horríveis e densos , mas que depois, me deixam uma bagagem imensa, porém, não sei onde utiliza-la.
Gosto de muita gente, sinto saudades, mas a recíproca nem sempre é verdadeira.
Acordo de olhos inchados, parecendo uma monstra e isso tira meu foco da magia que é ver o despertar do sol.
Compro coca cola no posto, tomo dois goles e fico procurando alguma criança no sinal, morta de sede pra dar a latinha. Mas só as encontro quando não tenho nem uma moeda a oferecer e isso me irrita.
Brigo e não peço desculpas nunca. O máximo que consigo fazer, é me reaproximar, com cara de tacho.
Em momentos de estress, não penso, não vejo e não ouço nada, e nesses momentos, magôo as pessoas, ao ignorá-las, sem nem me dar conta disso.
Muitas vezes me sinto só, mas não ligo pra ninguém pra vir em casa tomar um café com creme, ou um suco gelado.
Com meus 40 anos, não tenho a menor certeza do que vou ser, do sei fazer melhor, se vou chegar a algum lugar que valha a pena.
Duvido cartesianamente do amor e das pessoas, pois a vida me mostrou que as coisas devem ser assim.
Mergulho de cabeça e no meio da queda, quero voltar pra trás, tentando me agarrar a algo que me segure, pois tenho medo do quanto o mar é fundo e não quero me afogar.
Roo a cutícula quando nervosa, odeio quando balançam a latinha de coca cola pra ver se ainda tem algo dentro, e com isso, acabam com o pouco do gás restante.
Tenho horror a gente sem ética, sem moral, sem bom senso e ao invés de simplesmente as ignorar, eu me incomodo com elas. Ou seja, me deixo abalar por qualquer fator externo.
Sou a única , numa fila de banco, a discutir com a mãe que deu um tapa na cara da filhinha, enquanto as demais pessoas, simplesmente fingem não notar, ou seja: sou muito, mas muito encrenqueira.
Não bebo e odeio gente bêbada. Pessoas sem noção, alteradas, falando alto, gesticulando sem classe, sendo inconvenientes, me incomodam. E se eu bebo, me torno igualzinha a eles . E vomito.
Parei de fumar por achar ridículo um vício ser mais forte que eu , mas isso é um discurso hipócrita, já que sou viciada em coca cola.
Sou chata, sou brava, intransigente, mas seria injusta se dissesse que o mau humor faz parte da minha personalidade. Alegre e divertida eu sou, e muito, quando a vida me permite ser.
Não aceito a morte de pessoas queridas, não aceito a miséria em que vivem milhares de trabalhadores e não tenho a menor esperança de que as coisas irão mudar.
Gosto muito mais de transar do que ir à missa.
Tomo pouca água, como frituras , e não faço caminhada.
Odeio gente falsa e chata, que se acha de fato o máximo.
Adoro ouvi-lo rindo na sala assistindo Seinfield ou Friends.
Adoro a risada dela, alta e exagerada como a do pai,
Mas não suporto a bagunça que ela deixa pela casa e por falta de calma e equilíbrio, isso acaba sempre em brigas homéricas.
Não me incomodo de dormir com a louça por lavar, mas não durmo sem banho, nem que a vaca voe.
Tenho horror a ginecologista e a dentista, embora nunca deixe de ir.
Tenho o terrível habito de deixar pra me maquiar no ultimo instante.
Odeio rolo de papel higiênico vazio .
Odeio a possibilidade de saber que numa guerra nuclear, eu vou, as baratas ficam.
Odeio saber que a realidade é que as pessoas mentem, independente de suas razões.
E definitivamente, detesto, com todas as forças do meu ser, gente boazinha que se acha o máximo, acorda de bom humor e fala o quanto é boa e acha tudo lindo e maravilhoso: “Eu sou isso e também sou aquilo!” “Eu sou assim e assado!”
Ah, que saco , hein !Deus me livre ser Sandy, que só pega o Lucas Lima!
Eu sou um porre, me desculpem, mas essa sou eu e eu sou de verdade , e são pessoas como eu, que encontro pela vida , o que me faz pensar que estou no mesmo planeta que os demais.
Já as pessoas perfeitinhas, nunca vi, nunca ouvi falar, a não ser pelos textos de auto-definição, tão fakes quanto elas mesmas....
terça-feira, 22 de março de 2011
Definição
“...Eu me sinto um estrangeiro, passageiro de algum trem que não passa por aqui, que não passa de ilusão...”
Ficar,
Quando todos partem.
Silenciar,
Quando todos gritam
Deitar,
Quando todos se levantam
Dormir,
Quando todos acordam
Entrar,
Quando todos saem
Remar contra a maré,
Ser careta num mundo moderno
e condescendente
Ser estrangeira em seu próprio país.
É o que te torna chata, reclusa e estranha.
É o que faz de você exatamente aquilo que você é.
É o que te diferencia da multidão.
Melhor do que saber quem você é,
É ter a certeza de quem você não é.
Num mundo cheio de Marias e Maurícios,
Que bom poder ser eu mesma
E saber me definir.
quarta-feira, 9 de março de 2011
As linguagens do amor
As linguagens do amor
Uma vez alguém me disse algo sobre as linguagens do amor.
Eu, como tenho péssima memória, não me lembro quais eram elas.
Mas fiquei a divagar sobre o tema, pensei em como é difícil para determinadas pessoas
Conseguir expressar seus sentimentos, se abrir, se jogar, se entregar.
O que faz com que algumas pessoas não sejam capazes de demonstrar o amor que sentem?
O que faz com que algumas pessoas não sejam capazes de perceber o amor demonstrado?
É que cada um tem sua própria maneira de interpretar o amor, de ser regado e alimentado por ele.
Uns precisam das palavras. Precisam ouvir milhares de “eu te amo”, “você é muito valiosa pra mim”...
Outros , necessitam do toque. Dos dedos entrelaçados, dormir de conchinha, da mão no ombro, do toque na face, do cafuné...
Há quem precise de presentes, não os caros, mas principalmente os simbólicos: uma flor numa quarta feira qualquer, de convites pro motel ou pro cinema, de um anel com suas iniciais, de Häagen Dazs de palito...
Outros, da atenção e proteção .Todos necessitam do conforto da proteção. Acredito que os homens se sintam protegidos quando encontram uma mulher que valha a pena e que possam confiar .
As mulheres, embora hoje independentes, continuam sendo essencialmente mulheres, portanto, precisam do braço forte, da hombridade, do abrigo emocional.
Quantas vezes em nossas vidas, já ouvimos a velha frase:
-Mas eu te amo, só você não vê isso!
Na verdade, acredito que não exista uma linguagem universal para o amor. Cada um de nós tem seu próprio dialeto, suas próprias interpretações.
Não adianta falar alemão para quem só conhece o hebraico.
E todos sabemos como é difícil aprender uma segunda língua, mas sejamos sinceros:
Não vale a pena?
Olhe para o seu lado, veja o que você tem, olhe dentro de seus olhos, sinta o cheiro de sua pele, perceba como é bom tocar em quem você ama e diga, se não vale a pena se reinventar um pouco a cada dia, dedicar-se para aprender essa metalinguagem ,que não te fará feliz em Roma, Paris ou Tóquio, mas que te dará um norte, um porto seguro onde você possa finalmente compreender e ser compreendido nessa nossa imensa Torre de Babel.
Eu acho que vale a pena.
E você?
terça-feira, 1 de março de 2011
Monaretinha 1975
Era uma monaretinha modelo 1975, roxa metálica, dobrável, de selim lilás e no guidão tinha umas fitinhas coloridas penduradas que voavam muito, conforme a velocidade atingida.Muito mais linda que essa da foto.
Era uma menininha magricela, levada da breca, mas inteligente o suficiente para lembrar-se de seu pai, que embora nunca tivesse dado sequer um tapinha em sua bunda , quando bravo, tinha o olhar mais gélido e cortante da face da terra .Simplesmente olhava para ela e isso valia mais que mil palmadas. Por conta disso, procurava sabiamente evitar determinadas traquinagens.
Se aborrecia muito por ser a menor da turma, sua bicicleta ainda ter rodinhas e não poder sob nenhuma hipótese, pedalar na rua. Só era permitido a calçada , e poder dar a volta no quarteirão, representava seu mais completo estado de liberdade.
Sentia uma inveja enorme das mulheres maduras, que andavam em bicicletas sem rodinhas, podiam ir até à pracinha da gruta , tinham mil segredinhos e pasmem: usavam até sutian.
Um dia, ela resolveu exercer sua condição de independência, e aventurou-se a dar voltas no quarteirão.
So-zi-nha.
Era mesmo uma aventura. Na esquina de sua casa, tinha a lojinha dos Sabbag e a matriarca da família ,que morava ao lado da loja (ou seria a loja ao lado da casa?) sempre que se passava por lá, ela levantava sua mao, para ser beijada e depois a colocava sob sua a testa . Em seguida, convidava para entrar, mas antes tinha que se deixar os sapatos do lado de fora da porta. Oferecia um tal de Kebab ou esfihas, que se recusadas, ela esbravejava e dizia sempre a mesma frase : “Um burro não aprecia uma compota de frutas” A menina nunca foi capaz de entender o que aquilo significava, mas sorria gentilmente em retribuição .Falava estranho, talvez fosse africana, ou polonesa. Talvez torcesse pro Bragantino, vai saber o que a fazia ter aquele estranho sotaque....
Na esquina de cima, tinha um prédio alto, cuja lembrança estende-se somente ao prédio, nada mais. E na esquina lateral, finalmente, o Hotel Zaíra. Um casarão antigo, tenebroso para a menininha magricela. E gigantesco. O Hotel devia ter pra mais de 10 quartos! E seus pais diziam para ela manter-se longe de lá, pois vai saber que tipo de pessoa pode hospedar-se ali, e quem são e de onde vêm ninguém nunca sabe. “Pode ser vendedor de enciclopédia Barsa, pode ser assassino de criancinhas!”
Nem era preciso ter dito nada. Ela tinha pânico das irmãs Zaíra. Eram miúdas, magras e franzinas. Seus cabelos eram completamente brancos e tinham as três o mesmo corte, e usavam os mesmos vestidos, no carnaval, no natal e na sexta feira santa. Pareciam mesmo viver numa eterna quaresma. E jamais se dirigiam a ela e nem a ninguém que ela tivesse notado. Eram estranhas e misteriosas.
Alguns diziam que eram mudas, não sabiam falar. Só escrever e fazer contas.
Aquela tarde, ela queria mesmo era ver as fitinhas coloridas do guidão voarem muito e engatou uma quinta na monaretinha 75 e saiu a todo vapor, alegre pelo fato de ainda não existirem radares fotográficos.
Passou pela porta do hotel, não sem antes passar os olhos pelo imenso corredor escuro. Virou a esquina rumo à descida que a levaria finalmente até a sua rua.
Aí está o momento que a alegria sai de cena pra dar espaço ao desmantelo. Atropelou a velha Zaíra. Menina pra um lado, velha pro outro, um talo enorme na canelinha da pobre senhora e o que é pior de tudo nesse mundo: a bicicletinha torcida ao meio. Ah, isso sim era o fim!
Olhou para a velha ,frágil , imovel e ensanguentada. Olhou para a bicicletinha, e não teve dúvidas: Correu para ver se dava pra desentortar a bicicleta. Percebeu que não havia quebrado e sim, dobrado. Era só afrouxar a rosca, que ela endireitava novamente e tudo estaria perfeito. Acabou-se o problema! O ar de pânico desapareceu instantaneamente e o sorriso largo voltou a estampar-lhe o rosto.
Olhou novamente pro lado e viu o chão, a velha e o sangue. Sentiu o medo paralizar-lhe os músculos. Ainda se fosse uma velhinha amável, mas era a dona do Hotel e ela morria de medo da velha. Ela não emitia nem um só ruído e imaginou que estivesse morta.
“Matei a velha do hotel.”
Fugiu, sem pensar duas vezes.
Chegou suada e enfiou-se embaixo das cobertas. A mãe logo estranhou, e foi medir-lhe a temperatura.
“Deve ser garganta. A essa hora da tarde, esse calor , e você suando embaixo das cobertas, só pode ser garganta. Vamos chamar o Dr Amélio..”
Ouviram palmas na porta da casa. A mãe foi atender, só voltou uma hora depois e nesses sessenta minutos, a menina lá ficou, imóvel embaixo das cobertas. Ao regressar, a mãe não disse uma única palavra. E nem a menina perguntava nada.
No final da tarde, ela ouviu o barulho mais aterrorizante que poderia ter ouvido: o ruído do motor do carro de seu pai, estacionando na garagem. Era o fim, era o fim.
Conversaram em segredo, como todas as pessoas velhas tinham o hábito de fazer, e em seguida ele entrou no quarto com aqueles olhos sérios de pai bravo. Ela apertava os olhinhos, não queria ver, apertava os ouvidos, não queria ouvir, apertava o nariz, não queria respirar.
Ele , ao perceber a agonia da pequena, disse apenas: “Nunca mais faça isso”.
Ela olhou e respondeu: “Tudo bem, eu juro que nunca mais corro de bicicleta!”
“Nunca mais deixe de prestar socorro a alguém. Sei que você ficou assustada, mas deveria ter chamado um adulto imediatamente para prestar ajuda a senhora.”
“Pai, eu juro que não vou matar mais ninguem em toda minha vida, eu juro!”
Ele conteve o riso e procurou seguir com seu olhar sério e cortante feito gelo.
“ Ela não morreu. Sua mãe a levou ao hospital, ela teve que dar pontos e a levaremos todos os dias para fazer curativos até que ela sare. Por enquanto é bom você não passar por aqueles lados.”
Foi nessa época que ela descobriu que nem a Mulher Maravilha, nem a Mulher Biônica tinham bicicletinhas e mesmo assim, eram suas heroínas número um. Descobriu também que aos 5 anos, não é preciso andar de bicicleta sem rodinhas, nem usar sutian ou ter segredinhos com as amigas, mas é preciso sim, ser responsável pelos seus atos. E talvez ,aposentar a monaretinha roxa e ficar em casa pelos próximos 20 anos, seria um ato de muita inteligência e responsabilidade...
terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
Presentinho
Semana passada fui presenteada com o desenho acima, e um poema que foi escrito no verso do desenho.
Tentei me conter, botar em prática a minha infinita modéstia , que aliás é uma de minhas mais admiráveis qualidades, relutei, relutei muito, mas foi mais forte que eu; de modo que segue abaixo , texto original, sem correções ortográficas .
Existem presentes, que nao tem preço, e vem embrulhados em papel que cheira morango ainda no chão, tem sabor de sapotí e faz com que a vida valha a pena.
Para a minha flor
Espero que fique contente
Pois com amor eu lhe fasso
Uma flor fluorescente
Para te dar de presente.
Uso o trasso
Do compasso
Cor de lápis diferente
Pra mostrar como é amada
Mas isso não é nada
Juro pela mae de Deus sagrada:
Serei competente e esforçada
Ou seja: muito diferente
Pra fazer voce feliz plenamente!
Agora finalmente
Pesso um beijo caprichado
Agradesso por me ter no mundo colocado
Pra ser parte da sua familha
E eu poder ser sua filha.
Autora: Lívia Trevejo Della Coletta
(texto publicado sem a autorização da autora)
terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
Do chão não passa
-Mãe, eu tive um sonho estranho...
-Sim.
-Não vai perguntar o que eu sonhei?
-Desculpa, filha, o que você sonhou?
-Sonhei que minha barriga era bem gorda até uma parte, depois afundava e aparecia os ossos, de tão magra que a minha barriga era.
-Como assim? Metade gorda e metade magra?
-É, era uma barriga dividida em duas partes: uma gorda e outra magra.
Fiquei pensando e logo ela veio com a pergunta:
-O que você acha que isso significa?
-Ah, não sei. Talvez uma parte de você queira comer muita guloseima, e a outra parte queira emagrecer para ficar melhor nas suas roupas , né?
-É, pode ser. Mas hoje eu ainda vou tomar sorvete, pois as férias não acabaram.
-Ok.
-E você, mãe?
-Eu não quero sorvete.
-Não, mãe! O que você sonhou?
Pensei por breves instantes e me veio à memória meu sonho de hoje.
-Sonhei que tinha fraturado um osso da canela. Não doía, mas eu sentia a agonia de ter que resolver a questão, sem saber o modo correto de fazê-lo. Aí abri o corte com minhas mãos, via carne, fibras e uma quantidade de gordura, e como não havia outro jeito, retirei o pedaço do osso quebrado, de modo que não saberia se teria ainda estrutura suficiente para parar em pé.
-Nooooooossa, acho que vou desmaiar!
-Ah, você perguntou o que sonhei, só estava te contando, oras...
-Tá, continua que eu quero saber o final do sonho.
-Não tem final. Sonhos não são como filmes ou historias de livros.
-Mas o que aconteceu depois? Você conseguiu andar ou não?
-Consegui, mas com aquela sensação horrível de insegurança, achando que a qualquer momento, a qualquer escorregão, a qualquer trepidação, eu pudesse ir ao chão.
-Poxa....
-Mas agora é sua vez de me dizer o que acha que meu sonho significa.
Na lata, ela respondeu:
-Acho que você se machucou demais, e teve que se curar sozinha. Você arrancou aquilo que estava te incomodando, fez o que acreditou que tinha que ser feito, mas não está segura de que fez certo, por isso sentiu esse medo de não conseguir se equilibrar.
-Ei, me diga uma coisa, mas não minta pra sua mãe: Você é mesmo uma menininha de 11 anos?
-Ah, claro que não, né, mãe! Mês que vem eu já faço 12. Vai ter festa , piscina e muito brigadeiro? Quero esquecer aquela parte do sonho que a minha barriga é magra.Deixa ela como ela é. E você devia fazer o mesmo e aceitar as coisas como elas são.Pode dançar, pode pular! Suas pernas agüentam sim!!!
E se você cair, mãe, do chão não passa!
sábado, 22 de janeiro de 2011
Paraísos Artificiais
Ele pousou a caneta sobre a ficha e a olhou atentamente por cima do óculos, como se algo não encaixasse.
- Como assim?
- É assim, vontade de não estar por aqui.
- O que te faz sentir vontade de não estar por aqui?
Ela olhou para ele, tentou sorver o que seus olhos lhe mostravam. Seria ele alguém que fez todas as escolhas certas ,ergueu seu pequeno império fazendo aquilo que gosta, constituiu família, teria ele belos filhos e uma mulher que o ama , fariam amor todos os dias? Seria mesmo capaz de compreender o que ela tinha a dizer?
Saberia ele de fato entender o que faz com que alguém não se sinta no lugar certo?
Sobre a mesa havia uma base que iluminava uma pequena bola de cristal que mudava de cor conforme o led se alterava.
- Às vezes me sinto bem. A alegria é coisa minha, da minha alma.. Mas a maior parte do tempo, penso que não me encaixo, que não há lugar pra mim por aqui.
- E onde é que você acha que é seu lugar?
Ela pegou a bola em suas mãos e o brilho da base do led desapareceu e aquela que era uma bola multicolorida, de repente se tornou uma simples e grande bola de gude.
- Acho que é isso, disse ela, olhando fixamente para a esfera.
- Sim?
- Acho que para a maioria das pessoas, a vida deve ser tão sem graça, que colocam luzes, pós e doces mágicos e leds coloridos para que sejam capazes de fugir da mediocridade existencial a qual estão condenadas. Para essas pessoas, a felicidade consiste em sair de dentro de si mesmos .Me entristece saber que para tais pessoas, viver seja quase uma dor, ou mais , muito mais que isso.
Fez-se um longo silêncio. Agora era ele que tentava sorver tudo aquilo, que saiu junto com as lágrimas, que caem por nao ser mais possível contê-las.
- Você acha que as pessoas se enganam para poderem ser felizes?
- Acho.
- E você, o que você pensa a respeito disso?
- Não penso nada.
- Não pensa nada, não tem opinião sobre isso?
- Na verdade de certo modo, eu sou como elas: a vida para mim tem sido pesada, ja que me afeto com tudo, sobretudo pela falta de afeto. Só nao me utilizo de subterfúgios, o que faz com que para mim, tudo se torne mais difícil.
- O que mais você sente?
- Eu sinto pena, pena da solidão que deve haver ali, pena de quem não é capaz de ver a beleza nas coisas simples, no por do sol, nas estrelas, no cheiro da flor ou na terra molhada pela chuva, no frescor das manhãs de outono, no afeto dado de livre e espontânea vontade, na necessidade de dar e receber carinho, de tocar e ser tocado...mas tudo isso é poesia, coisa de gente doida e fora dos eixos como eu, né, doutor?
- Hum....
Ela o olhou querendo acreditar que aquele homem teria a solução para os males que afligiam sua alma.
- Prozac, Daforin, ou simplesmente Fluoxetina. Vinte miligramas pela manhã. E este outro é pra você poder dormir.
Lhe entregou um bombom e pediu que voltasse em vinte dias.
Ela saiu pela porta, com o receituário nas mãos e no coração a certeza de que de fato, era a parte inversa da tal inversão de valores. Estava doente, e sabia disso, ao contrário do que faz qualquer neurótico, que nega-se a assumir sua doença.
Como não pôde ser capaz de combater o mundo colorido artificialmente,simplesmente juntou-se à ele...
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